"ENTÃO E EU, TODO O MUNDO ME ESQUECEU?"
NATAL DE QUEM?
Mulheres atarefadas Tratam do bacalhau, Do peru, das rabanadas - Não esqueças o colorau, O azeite e o bolo-rei! - Está bem, eu sei! - E as garrafas de vinho? - Já vão a caminho! - Oh mãe, estou pr'a ver Que prendas vou ter. Que prendas terei? - Não sei, não sei...
Num qualquer lado, Esquecido, abandonado, O Deus-Menino Murmura baixinho: - Então e Eu, Toda a gente Me esqueceu?
Senta-se a família À volta da mesa. Não há sinal da cruz, Nem oração ou reza. Tilintam copos e talheres. Crianças, homens e mulheres Em eufórico ambiente. Lá fora tão frio, Cá dentro tão quente!
Algures esquecido, Ouve-se Jesus dorido: - Então e Eu, Toda a gente Me esqueceu?
Rasgam-se embrulhos, Admiram-se as prendas, Aumentam os barulhos Com mais oferendas. Amontoam-se sacos e papeis Sem regras nem leis.
E Cristo Menino A fazer beicinho: - Então e Eu, Toda a gente Me esqueceu?
O sono está a chegar. Tantos restos por mesa e chão! Cada um vai transportar Bem-estar no coração. A noite vai terminar
E o Menino, quase a chorar: - Então e Eu, Toda a gente Me esqueceu? Foi a festa do Meu Natal E, do princípio ao fim, Quem se lembrou de Mim? Não tive tecto nem afecto!
Em tudo, tudo, eu medito E pergunto no fechar da luz:
- Foi este o Natal de Jesus?!!!
(João Coelho dos Santos in Lágrima do Mar - 1996) O meu mais belo poema de Natal |