A velha serpente desdentada e doente deslizou pelo tronco do grande baobá para se estender no chão.
- Ai! Já não tenho forças; os dentes caíram-me e os meus olhos ficaram nublados - gemeu de si para si. - Vou morrer de fome.
De repente lembrou-se que era a astuta serpente da selva e que nunca tinha cedido ante alguma dificuldade. Arrastando-se penosamente por entre as rochas, chegou a um terreiro onde brincavam um macaco, um esquilo e uma hiena. Logo reparou que o macaco se tinha aleijado numa pata e que coxeava choramingando.
- Que se passa contigo, amigo macaco? - perguntou a serpente.
- Esta hiena é uma mal-educada, brinca com tanta violência que quase me partiu as costas com uma patada.
- Bem-feito! - interveio o esquilo. - Olha a mordedura que me deste ontem!
- Que estão para aí a dizer? - interrogou a serpente. - Patadas? Mordeduras? Mas a que mundo vim eu parar?
E fingindo-se profundamente chocada, chamou os outros animais para lhes propor uma coisa que há muito andava a planear:
- Ouçam, se virem bem as coisas, têm de confessar que todas as nossas desabenças são devidas ao excesso de armas que transportamos. Há garras afiadas e dentes aguçados que não condizem com animais que querem viver tranquilos e em bos harmonia. Eu proponho que façam como eu: nada de dentes nem de garras, e vão ver como vivem em paz.
- Assim é que é falar - disse a lesma.
- E como me arranjo eu para tirar a casca das nozes de coco quendo já não tiver nem unhas nem dentes? - perguntou o macaco.
- Esperas que as nozes amadureçam e se abram sozinhas; assim vão ser muito mais saborosas.
- És realmente muito sábia. Eu aceito a proposta. - concluiu o macaco.
A serpente ria murmurando: «Quando estiverem desarmados, já não tenho mais medo de morrer de fome.»
Todos os animais da selva, um a um, foram a casa do velho chimpanzé, veterano da floresta, para que ele lhes tirasse as garras e os dentes. Durante dias e dias não se ouviam senão lamentos e gritos de dor causados pela operação.
Depressa o terror se apossou de todos os animais ao verem que a desarmada e inocente serpente devorava os pobres bichos indefesos e incapazes de se mexerem.
- Ah, ah! - ria a espertalhona -, caíram na esparrela!
E a velha serpente obtinha assim saborosas refeições sem se cansar nada.
- Vil traidora! - gritou o chimpanzé. - É então esta a paz universal que querias ter na selva?
O símio batia no peito cheio de culpa por ter mutilado cruelmente os seus companheiros. De repente lembrou-se de uma erva que tinha o dom de cicratizar as feridas e fazer crescer as unhas e os dentes. Foi à procura dela e encontrou-a...
Algumas semanas mais tarde, quando todos os bichos já tinham recuperado os seus dentes e garras, a perversa serpente teve uma morte atroz, assassinada à pedrada pelos outros animais. O macaco dançava alegremente em volta do cadáver e cantava:
Quem se serve de falcatruas
para mudar a sua sorte,
corre-lhe bem no princípio,
mas depois encontra a morte.
Por vezes encontramos pessoas que, como a serpente desta fábula do Quénia, falam muito bem e depois não cumprem a sua palavra. Mas no fim o feitiço vira-se contra o feiticeiro e a verdade acaba por vir ao de cima.
In: Fábulas Africanas, Editorial ALÉM-MAR